segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Federico García Lorca - Obra Poética Completa


CATA-VENTO
JULHO de 1920
(Fuente Vaqueros,
Granada)

VENTO do Sul,
moreno, ardente,
que passas sobre minha carne,
trazendo-me semente
de brilhantes
olhares, empapado
de flores de laranjeira.

Tornas vermelha a lua
e soluçantes
os álamos cativos, mas vens
demasiado tarde!
Já enrolei a noite de meu conto
na estante!

Sem nenhum vento,
acredita em mim!,
gira, coração;
gira, coração.

Ar do Norte,
urso branco do vento!
Que passas sobre minha carne
tremente de auroras
boreais,
com tua capa de espectros
capitães,
e rindo estrepitosamente
do Dante.
Oh! polidor de estrelas!
Mas vens
demasiado tarde.
Meu armário está musgoso
e perdi a chave.

Sem nenhum vento,
acredita em mim!,
gira, coração;
gira, coração.

Brisas, gnomos e ventos
de nenhuma parte.
Mosquitos da rosa
de pétalas pirâmides.
Alísios destetados
entre as rudes árvores,
flautas na tormenta,
deixai-me!
Tem fortes cadeias
minha recordação,
e está catriva a ave
que desenha com trinos
a tarde.

As coisas que vão não voltam nunca,
todo o mundo sabe disso,
e entre o claro gentio dos ventos
é inútil queixar-se.
Não é verdade, choupo, mestre da brisa?
É inútil queixar-se!

Sem nenhum vento,
acredita em mim!
gira, coração;
gira, coração.


Obra poética completa / Federico García Lorca; tradução de William Agel de Mello, 5. ed. - Brasília : Ediotra Universidade de Brasília, São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004 - 704 p.: il. Título original: Poesias completas

Nascido em 5 de junho de 1898, em Fuente Vaqueros, quando a Espanha tentava florescer nas letras e nas artes, Federico Garcia Lorca teve em Granada, provincia de sortilégios e muitos apelos telúricos, seu berço e túmulo.

O poeta e dramaturgo de trágico destino legou-nos uma obra que ultrapassou as fronteiras do tempo e de sua tão querida espanha. Esse artesão da palavra produziu, em tão breve período de tempo e de forma tão intensa, uma obra que reúne a essência do pensamento e da sensibilidade hispânica aliada a uma poesia com os traços universais que caracterizam os grandes poetas.

A vida e a obra de Garcia Lorca delinearam o perfil de um homem versátil, irrequieto, questionador, carismático, espontâneo e musical, amante da vida em todo o seu esplendor. É o poeta que levanta o grande véu que encobre as coisas do mundo vísível, que alimenta nossa alma e torna nossa vida menos feia e menos triste, cantando nossas alegrias e chorando nossas dores com o sublime ofício da palavra.

2 comentários:

  1. Tem muita sorte em possuir esta obra em mãos, Lígia. Afinal, ler Lorca é muito agradável. Compartilho também o gosto pelos poemas deste gentil poeta espanhol. Aqui uns dos meus poemas favoritos:

    Se as minhas mãos pudessem desfolhar

    Eu pronuncio teu nome
    nas noites escuras,
    quando vêm os astros
    beber na lua
    e dormem nas ramagens
    das frondes ocultas.
    E eu me sinto oco
    de paixão e de música.
    Louco relógio que canta
    mortas horas antigas.

    Eu pronuncio teu nome,
    nesta noite escura,
    e teu nome me soa
    mais distante que nunca.
    Mais distante que todas as estrelas
    e mais dolente que a mansa chuva.

    Amar-te-ei como então
    alguma vez? Que culpa
    tem meu coração?
    Se a névoa se esfuma,
    que outra paixão me espera?
    Será tranqüila e pura?
    Se meus dedos pudessem
    desfolhar a lua!!

    Abraços.

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  2. Alex,

    Belíssimo poema!!!
    Beijos e grata pelo carinho.

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