segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Fernando Pessoa (1902-1917)

HOJE ESTOU TRISTE como alguém que quer chorar

E já não sabe n alma
Como é que nos olhos se chora...
Entre mim e o sol plácido da calma
Nuvens sinto passar
Rápidos tédios sobre o chão da Hora...

Não sei quem sou perdidamente
Há alamedas de jardins verustos
Naquela angústia com qeu quero o ausente
Ser, tempo, cor das cousas, que me arranque
Desta monotomia com arbustos
Na vida, com buxo calmo, com som de tanque...

O século dezoito que havia em mim,
Pelo menos em lágrimas, passou
Com um ruído de cetim...
No ar de Pompadour já triste
Do teu imaginado vulto errou
Do meu presente o mal que em mim existe...

Meu corpo pesa no meu pensamento
De nunca deslocar-me até à alma
E ter sempre o momento
Aqui eterno enquanto dura...
Não haver villas de romana calma
Por estradas atingidas de amargura...

O sol acorou-me num disfarce
Da natureza do meu triste amor
Por tudo quanto passou
E eu vejo como se nunca passasse
Mas ele passa e tem no gesto a cor
Das cousas vistas na alma irreal que sou.

Não deixes, minha sombra amarelada
De branco, bruxuliante
Na hera do teu jardim, de esta ciciada
Dança erma e galante
Das palavras trocadas em disfarce
Dum pensamento vago que atravessa
As salas que estão diante...

Deixa que a brisa como um cisne passe
No lago da visão que cessa.

(POESIA - 1902-1917 - Fernando Pessoa)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Adeus, China - O Último Bailarino de Mao - Li Cunxin

Adeus, China / Li Cunxin; [versão brasileira da editora] - 1. ed. - São Pualo, SP : Editora Fundamento Educacional, 2009.

"Lembro-me de um ano que nossa comuna tentou plantar amendoim em pequenos pedaços de terra, mas a safra foi decepcionante. Depois da colheita, um grupo de meninos mais ou menos da minha idade - 6 ou 7 anos - foi para o terreno plantado, levando pás e cestos de bambu, na esperança de encontrar, como fazíamos com os inhames, alguns amendoins perdidos. Depois de horas e horas de busca, o resultado foi quase nenhum. Mas eis que um dos meninos descobriu, nos limites do terreno, um buraco de rato. Que sorte para um vando de garotos famintos! Ele começou a cavar imediatamente. Ficamos todos em volta dele, como que atraídos por um ímã. Ratos sempre estocam alimentos para o inverno daí o misto de excitação e inveja com que observávamos a cena. Estávamos todos de pé, porque se acreditava que ajoelhar ao lado de um buraco de rato fazia o túnel desabar e desaparecer. O menino cavava o mais rápido possível, com o traseiro para cima. Várias vezes quase perdeu o túnel, bloqueado pelos ratos. Então, vimos que havia ramificações em direções diferente, com três pontos de armazenagem: um de amendoins descascados, outro de amendoims meio descascados e um terceiro de amendoins com casca. Os ratos, porém, não foram encontrados. Provavelmente, tinham uma rota secreta de fuga.
O menino de sorte levou para casa quase meio cesto de amendoins. Secretamente, fiquei com pena dos ratos que tinham perdido a comida. Afinal, eles também poderiam morrer de fome no inverno. "Mundo cruel" eu pensei, "em que crianças competiam com ratos por comida." (pág. 24)

Adeus, China, livro de fácil e fluente leitura desbrava a rotina e cultura da família Li, mais especificamente a vida de Li Cunxin, que como tantas outras famílias de camponeses em um vilarejo desesperadamente pobre do nordeste da China, luta pela sobrevivência no pós-guerra e chega ao estrelato no Ocidente, um relato verdadeiro e extraordinário da vida de um garoto. História de grande coragem e determinação provando que nada é impossível quando se tem a perseverança por meta.

"Senti as lágrimas dela escorrendo pelos meus cabelos.
- Somos muito pobres! Os deuses no céu não respondem às nossas preces e até o diabo nos abandonou. Não há esperança para nós - ela suspirou.
- Pare com isso! Não diga isso! - pedi. Eu detestava vê-la tão triste.
Ela continuou, como se não me houvesse escutado:
- Como eu gostaria de ter dinheiro para lhe comprar um carrinho de brinquedo! Mas não temos dinheiro nem para a comida!
- Um dia eu vou ter bastante comida! - jurei para mim mesmo.
Ela me abraçou, ainda soluçando. Não sei quanto tempo durou aquele abraço, mas desejei que não acabasse nunca. (pág. 29)."

Nesta bela passagem, Li Cunxin aos 5 anos de idade chega em casa com o carrinho do visinho e a mãe o faz devolver ante seus protestos. Longe estaria sua mãe de imaginar que seu filho que tantas vezes foi estudar sem ter o que comer seria em breve uma estrela, o queridinho do Ocidente. Uma história de persistência onde é relatado a infância, vida em Pequim e grande trajetória de vida no Ocidente:

"Naquela noite, ao jantar, depois que a 'niang' contou a todos o que eu tinha feito, meu 'dia' falou:

- Apesar de não termos dinheiro e comida, de não podermos comprar roupas e de vivermos em uma casa pobre, temos ORGULHO. Orgulho é o que temos de mais precioso na vida. Desde os tempos difíceis vividos por nossos antepassados, a família Li sempre teve orgulho e dignidade. Sempre tivemos uma boa reputação. Quero que vocês todos se lembrem disto: nunca percam o orgulho e a dignidade, por mais difícil que seja a vida." (pág. 29)

A História de Li Cunxin é exemplo de luta onde chegar a um ponto desejado depende somente de determinação, foco e esforço independente se o mundo te diga o tempo todo não. Depende basicamente de você e o primeiro passo é reconhecer quais desejos o movem. E Li Cunxin chegou com dignidade e amor.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

28 contos de John Cheever

"Uma página de boa prosa permanece invencível." afirma John Cheever ao aceitar a honraria no Carnegie Hall, em Nova York ao receber a National Medal for Literature, dois meses antes de sua morte de câncer. A revista New Yorker por quem colaborou por muitos anos, o descreveu como "uma das maiores figuras literárias do país nos últimos cinquenta anos" .

John Cheever nasceu em Quincy,Massachusetts, em 1912. Lança seu primeiro romance, The Wapshot Chronicle, em 1958, pelo qual recebe o prêmio mencionado. Publicou ainda diversas coletâneas de contos - entre os quais The Stories of John Cheever, ganhadora do prêmio Pulitzer em 1979 - e os romances The Wapshot Scandal (1964), Bullet Park (1969) e Falconer (1977). Considerado um do maiores contistas americanos.

O livro 28 contos de John Cheever, seleção e prefácio de Mario Sérgio Conti e tradução de Jorio Dauster e Daniel Galera que inicia com o conto Adeus, meu irmão já marcando o forte relacionamento de John Cheever com seu irmão a qual a vida separou, é uma coletânea de contos considerada um fenômeno editorial até hoje, mais de trinta anos depois. Nunca, até e desde então, um livro de contos, gênero que raramente chega às listas de mais vendidos, obteve tamanho sucesso nos Estados Unidos: vendeu 125 mil exemplares na edição de capa dura e figurou por seis meses na lista de best-sellers do New York Times.
O triunfo se estendeu ao circuito da literatura institucional e à imprensa. The Stories of John Cheever ganhou três dos prêmios literários mais prestigiosos, o Pulitzer, o Nacional Book Circle Critics Award e o American Book Award, conforme mencionado.

Difícil é selecionar o melhor dos 28 contos: Adeus, meu irmão; O enorme rádio, Ó cidade dos sonhos falidos; Os Harthey; O camponês de verão; Lamento amoroso; O pote de ouro; O Natal é uma época para os pobres; A temporada do divórcio; A cura; Os males do gim; Oh, juventude e beleza!; Só mais uma vez; O invasor de Shady Hill; O bicho da maçã; O caminhão de mudanças vermelho; Só quero saber quem foi; A cômoda; Miscelânea de personagens que ficarão de fora; O general de brigada e a viúva do golfe; Uma visão do mundo; Reencontro; Mene, Mene, Tekel, Upharsin; Marito in città; O nadador; O mundo das maçãs, Três histórias; As jóias da sra. Cabor.

28 contos / John Cheever ; seleção e prefácio Mario Sergio Conti ; tradução Jorio Dauster, Daniel Galera. - São Paulo : Companhia das Letras, 2010.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Mário Quintana - O Aprendiz de feiticeiro


Mundo

E eis que naquele dia a folhinha marcava uma data em
                                   [caracteres desconhecidos,
Uma data ilegível e maravilhosa.
Quem viria bater à minha porta?
Ai, agora era um outro dançar, outros os sonhos
                                                    [e incertezas,
Outro amar sob estranhos zodíacos...
Outro...
E o temor de construir mitologias novas!

(O Aprendiz de feiticeiro - Mário Quintana)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Antônio Miranda - Despertar das Águas e outros

PRESSENTIMENTO

Para Fernando Pessoa

"Se eu penso com palavras
com que tento o pensamento,
então, como é que penso
o meu amor intenso?
Tenso, eu mesmo respondo:
não penso com palavras
- penso-o sem pensamento:
puro pressentimento.

Sinto-o com o corpo febril
e atento.

Mas é pensar esse sentir
que nem o sentimento pressente

porque é ausente de palavras?
- se a palavra sempre mente
sendo, como é, insuficiente -
para exprimir o que se sente...

Amar com o corpo
e nunca com as palavras
com que pensamos
e amamos: coxas, seios,
pênis, umbigo, sêmen,
orgasmo, homem.

Ou será que se ama
somente quando
se percebe e sente
integralmente: corpo e mente
o amor que ressente
- sentindo o sentimento
pelo pensamento?

Complicado? Alguém
que não ama
enquanto ama
mas apenas
ao mentar
o amor que experimenta.

Que não ama enquanto
nem durante
mas conquanto
e consoante com o pensar
e o ruminar...

Seria como amar o amor
e não apenas a quem se ama
mesmo que o amor
nem amor fosse...

Em tal gongorismo
ama-se o amor
que é amado
e não o próprio amor!"

(Antônio Miranda - Despertar das Águas)

A internet é definitivamente um local de encontros. Fui gentilmente presenteada com livros de poesia do caro autor Antônio Miranda, autor da poesia PRESSENTIMENTO, que possui página oficial na internet: http://www.antoniomiranda.com.br/ .

Foi uma grata surpresa receber seus livros de poesia com uma carinhosa dedicatória, que tenho aqui a oportunidade de compartilhar com os caros leitores.

Seus versos tem a vivacidade de homem que soube realiza grandes projetos contribuindo para a grandeza não somente de nosso país, mas países da América Latina dedicando-se à produção literária  e artística, sendo agraciado com prêmios pela crítica internacional. Miranda, poeta, escritor, dramaturgo, viveu e publicou em Buenos Aires (Argentina), Caracas (Venezuela), Bogotá (Colômbia) e Londres (Inglaterra).

O prestimoso poeta agraciou-me ainda com outros livros, presente da Biblioteca Nacional de Brasília: Tributo ao Poeta (vol. 1 e 2) e Poemário (I Bienal Internacional de Poesia de Brasília) que pretendo fazer resenha futura para os prestimosos caros amigos.

(01) Despertar das Águas / Antônio Miranda - Brasília: Thesaurus, 2006. 83p (veja início da postagem).


(02) Poesia no Porta-Retrato / Antônio Miranda; seleção e estudo por Elga Pérez-Laborde / Brasília : Thesaurus, 2007. 136p.






(03) PER VER SOS / Antônio Miranda. Trad. Elga Pérez-Laborde. Ilustrações José Campos Biscardi. - Brasília : Thesaurus, 2004. 96p.







(04) Poemi Di Antônio Miranda / Giornata Mondiale della Poesia 2009 - Accademia Mondiale della Poesia - "Confluenze transatlantiche: I' Europa saluta il Brasile, omaggio alla poesia brasiliana dalle origini ai giorni nostri", ospite d' onore Marcia Theophilo. Verona, Italia, 28-29 marzo 2009.

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