sábado, 30 de abril de 2011

As Cem Melhores Crônicas Brasileiras - Joaquim Ferreira dos Santos


As Cem Melhores Crônicas Brasileiras - Joaquim Ferreira dos Santos, Objetiva - Rio de Janeiro - RJ, 354 pág.

Sobre o Amor
(Ferreira Gullar)

"Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse - eu te amo -, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refleti sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te ano sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma."
(continua - pág. 279)

As crônicas desta antologia se consagram como pequenas obras-primas de emoção, baseadas nos espantos e alegrias, decepções e surpresas do cotidiano. Contam a história de um país e de um gênero que outrora foi considerado menor. Fenômeno de aceitação popular, a crônica superou o preconceito e se instalou como iguaria fina, assinada por mestres da nossa literatura.

Amorosa, bem-humorada, leve e refinada, a crônica brasileria conquistou seu lugar e inventou um estilo, modo de escrever e viver. Mistura as artes do espírito sensível com os fatos da atualidade, mesmo que seja aquela realidade passando embaixo apenas da janela do autor. Pois é falando na primeira pessoa, com voa poética ou perplexa, jornalística ou irônica, que o cronista nos encanta.

Craque do gênero, Joaquim Ferreira dos Santos fez esta seleção sem se deixar amarrar pelas leis acadêmicas, mas orientando-se pelo poder que as crônicas têm de seduzir - marca essencial  de todas reunidas neste volume, que se tornaram clássicos de referência da nossa educação literária e sentimental.

O livro apresenta crônicas escolhidas pelo curador no uso da sua subjetividade máxima, como convém ao gênero, e desafiam a idéia de apenas narrar seu tempo. Acabaram indo aonde ninguem poderia imaginar. Eternas. Peças de referência com representantes de primeira ordem:

De 1850 a 1920
( o cronista entra em cena e flana pela cidade)
Machado de Assis
João do Rio
Lima Barreto
José de Alencar
Olavo Bilac

De 1920 a 1950
(Com a bênção dos modernistas de bermudas)
Rubem Braga
Vinicius de Moraes
Oswald de Andrade
Alcântara Machado
Rachel de Queiroz
Mario de Andrade
Humberto de Campos
Graciliano Campos

Os anos 1950
(A década de ouro de uma geração de craques)
Paulo Mendes Campos
Rubem Braga
Antônio Maria
Vinicius de Moraes
Sérgio Porto
Marques Rebelo
Mario Filho
Rubem Braga
Carlos Drummond de Andrade
Paulo Mendes Campos
Nelson Rodrigues
Rachel de Queiroz
Stanislaw Ponte Preta
Rubem Braga
Luís Martins
Fernando Sabino
Antônio Maria

Os anos 1960
(Discursos na rua, humor nas páginas)
Stanislaw Ponte Preta
Jospe Carlos Oliveira
Antônio Maria
Elsie Lessa
Carlos Drummond de Andrade
Paulo Mendes Campos
Nelson Rodrigues
Millôr Fernandes
Clarice Lispector
José Carlos Oliveira
Clarice Lispector
Fernando Sabino

Os anos 1970
(Longe daqui, aqui mesmo)
Campos de Carvalho
Lourenço Diaféria
Caetano Veloso
Chico Buarque
Márui Quintana
João Saldanha
Ivan Lessa
José Carlos Oliveira
Fernando Sbino
João AntÔnio
Clarice Lispector
Millôr Fernandes
Ivan Lessa

Os anos 1980
(Sexo e assombrações)
Luis Fernando Verissimo
João Ubaldo Ribeiro
Aldir Blanc
Caio Fernando Abreu
Artur da Távoa
Lygia Fgundes Telles
Moacyr Scliar
Ivan Angelo
João Ubaldo Ribeiro
Caio Fernando Abreu

Os anos 1990 (A vida privad virou uma comédia)
Otto Lara Resende
Zuenir Ventura
Luis Fernando Veríssimo
Carlos Heitor Cony
Ignácio de Loyola Brandão
Roberto Drummond
Ferreira Gullar
Luis Fernando Verissimo
Mario Prata
Arthur Dapieve
Marcos Rey
Otto Lara Resende

Os anos 2000
(Próxima estação, internet)
Arnaldo Jabor
Xico Sá
Carlos Heitor Cony
Tutty Vasques
Marcelo Rubens Paiva
André Sant´Anna
Danuza Leão
Martha Medeiros
João Paulo Cuenca
Ricardo Freire
Antônio Prata

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Rubem Fonseca - A Coleira do Cão

Rubem Fonseca - A Coleira do Cão - 5.ed. - Rio de Janeiro : Agir, 2010. Conto Brasileiro.

"Fiquei de repente calado e sentindo a coisa que me dá de vez em quando, nas ocasiões em que os dias ficam compridos e isso começa de manhã quando acordo sentindo uma aporrinhação enorme e penso que depois de tomar banho passa, depois de tomar café passa, depois de fazer ginástica passa, depois do dia passar passa, mas não passa e chega a noite e estou na mesma, sem querer mulher ou cinema, e no dia seguinte também não acabou. Já fiquei uma semana assim, deixei crescer a barba e olhava as pessoas, não como se olha um automóvel, mas perguntando, quem é?, quem é?, quem-é-além-do-nome?, e as pessoas passando na minha frente, gente pra burro neste mundo quem é?"
(A Força Humana - pág. 31)


Cá estou no feriado a folhear a extraordinária narrativa de Rubem Fonseca. A Coleira do Cão é o segundo livro do autor, publicado em 1965. Questiona a prisão do homem a sua existência, vindo a imagem do cão que, mesmo liberto, carrega um pedaço da corrente. A imagem do prisioneiro de si mesmo.

Nas oito histórias do volume, "A força humana", "O gravador", "Relatório de Carlos", "A opção", "O grande e o pequeno", "Madona", "Os graus" e "A coleira do cão", conto que dá nome ao livro, Rubem Fonseca exercita, em contos longos, a capacidade de imersão completa no universo narrado. Uma das obras literárias mais ricas e complexas de nosso tempo, que pões cada leitor diante de sua própria imagem em meio à beleza e à violência do mundo.

"Havia uns trinta anos que eu não chorava;é uma coisa estranha que preciso contar em detalhes. Após algum tempo os olhos se fecham; você sente as lágrimas molhando o seu rosto e uma sensação de alívio como se você fosse um homem envenenado e uma veia se abrisse e lentamente pusesse para fora todo o sangue ruim, fazendo-o sentir-se melhor a cada gota que saísse - mais leve, mais leve, mais bom, mais puro, mais digno, mais feliz na sua automisericórdia."

Rubem Fonseca nasceu em 1925 e é autor de 25 livros, dentro os quais romances, novelas, coletâneas de contos e O romance morreu, que reúne crônicas publicadas no Portal Literal. Recebeu cinco vezes o premio Jabuti e em 2003 os prêmios Juan Rulfo e Camões.

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