domingo, 3 de setembro de 2017

Adélia Prado

Adélia Prado
"De vez em quando Deus me tira a poesia
Olho pedra, vejo pedra mesmo."


Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu em Divinópolis, interior de Minas Gerais, onde estudou, tornou-se professora, casou e teve cinco filhos. É dessa vida aparentemente rotineira que ela tira sua poesia. Escreveu os primeiros poemas aos 14 anos, sob o impacto da morte da mãe, concebidos segundo os modelos clássicos de versificação. A leitura da Bíblia e de grandes autores, como Alphonsus de Guimaraens, Augusto dos Anjos, Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, marcaram a sua formação. "Quando eu li o verso livre de Drummond, eu disse "Meu Deus, a gente pode escrever desse jeito, isso é poesia...".

A poetisa começou a lecionar em 1955, se casou com José de Freitas em 1958, e sete anos mais tarde, mãe de quatro filhos (a mais nova nasceria em 1966), decidiu estudar Filosofia. Na época de sua formatura, e desta vez profundamente marcada pela morte do pai, ocorrida em 1972, passou a elaborar a poesia que serviu de base para seu primeiro livro.

Em 1973, enviou alguns poemas para apreciação do poeta Affonso Romano de Sant' Anna  que, por sua vez, os mostrou a Carlos Drummond de Andrade. Drummond sugeriu a um editor a publicação dos originais, que vieram a compor Bagagem, de 1976. Como ressalta o ensaísta Antônio Hohlfeldt, "o que surpreendeu, desde logo, é que não se tratava de um livro de estreante, mas de alguém que dominava completamente a linguagem poética". Aos 40 anos, Adélia estreava no meio literário.

Seu segundo livro, O coração disparado, ganhou o prêmio Jabuti de 1978, e no ano seguinte Adélia lançou Solte os cachorros, seu primeiro texto em prosa. Nesta época decidiu abandonar definitivamente o magistério, e em 1983, assumiu a Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Divinópolis, onde permaneceu por cinco anos.

A montagem de Dona doida: um interlúdio, espetáculo teatral dirigido por Naum Alves de SOuza e protagonizado por Fernanda Montenegro, em 1987, consagrou o nome de Adélia Prado, tornando-a conhecida em todo o país. Sem abrir mão do ritmo pacato do interior mineiro, a poetisa viu sua obra ser adaptada para o teatro, foi tema de um volume considerável de dissertações e teses universitárias, e tem participado de congressos nacionais e internacionais, apesar do seu proverbial medo de avião.

A poesia de Adélia Prado, carregada de religiosidade e erotismo, é fonte de inspiração para diversos autores contemporâneos. Nela, o mistério da criação se revela nas coisas simples da vida: "Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de observar formigas trabalhando. O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você."


1935, nasce no dia 13 de dezembro, em Divinópolis - MG


"A poesia não se esgota; quem se esgota sou eu, no tempo, ou pela morte, ou pela falta de talento. Ou seja, você precisa ter poemas novos para falar daquela experiência. A poesia é vida pura, é Eros."
(Adélia Prado)

"Não, não fui eu quem descobriu Adélia Prado, nem Drummond, nem (o editor) Pedro Paulo de Sena Madureira. Ela se revelou, se desvelou, teve coragem de ir à raiz do ser para desencravar sua linguagem. Apenas facilitamos sua passagem."
(Affonso Romano de Sant´Anna)

"Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis. Como é que eu posso demonstrar Adélia, se ela ainda está inédita e só uns poucos do país literário sabem da existência desta grande poeta-mulher à beira-da-linha?"
(Trecho de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade)


Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro um beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alaegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem
Mulher é desdobrável. Eu sou.


O poeta ficou cansado

Pois não quero mais der Teu arauto.
Já que todos têm voz,
por que só eu devo tomar navios
de rota que não escolhi?
Por que não gritas, Tu mesmo,
a miraculosa trama dos teares,
já que Tua voz reboa
nos quatro cantos do mundo?
Tudo progrediu na terra
e insistes em caixeiros-viajantes
de porta em porta, a cavalo!
Olha aqui, cidadão,
repara, minha senhora,
neste canivete mágico:
corta, saca e fura,
é um faqueiro completo!
Ó Deus,
me deixa trabalhar na cozinha,
nem vendedor nem escrivão,
me deixa fazer Teu pão.
Filha, diz-me o Senhor,
eu só como palavras.


Obras da autora
POESIA: Bagagem, 1976; O coração disparado, 1978; Terra de Santa Cruz, 1981; O pelicano, 1987; A faca no peito, 1988; Poesia reunida, 1999; Oráculos de maio, 1999.

PROSA: Solte os cachorros, 1979; Cacos para um vitral, 1980; Componentes da banda, 1984; O homem da mão seca, 1994; Manuscritos de Felipa, 1999; Prosa reunida, 1999.


Fonte: 100 Anos de Poesia - Um panorama da poesia brasileira no século XX - Volume II - organização Claufe Rodrigues e Alexandra Maia - O verso Edições - 2001 - Rio de Janeiro.

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